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Foto do escritorMarise Berg

Desparasitação natural – a cura para todos os males ou mais um modismo das redes sociais?



Os protocolos de desparasitação estão em alta nas redes sociais, promovidos como formas de melhorar a saúde geral, aumentar a energia e aliviar sintomas como fadiga, inchaço e problemas digestivos. A promessa de um "reset" corporal atrai muitas pessoas em busca de soluções rápidas para problemas de saúde vagos ou crônicos.


Influenciadores de saúde e bem-estar têm um grande impacto na popularização dessas práticas, compartilhando experiências pessoais e resultados positivos, o que pode ser muito persuasivo. Muitas empresas vendem suplementos e produtos para desparasitação, investindo pesado em marketing digital, frequentemente sem o respaldo científico/clínico necessário.


O que é uma parasitose e como ela afeta a nossa saúde?


Somos habitados por trilhões de microorganismos, incluindo bactérias, fungos, vírus, arqueias e protozoários. Cerca de 80% deles, aproximadamente 100 trilhões, residem no sistema digestivo, formando a microbiota intestinal. Com mais de 500 espécies diferentes, essa microbiota é tão numerosa e diversa que pode ser considerada um "tecido" dinâmico, essencial para nossa saúde.


Cada região do intestino abriga grupos específicos de microorganismos. A simbiose é o equilíbrio entre microorganismos benéficos e nocivos, enquanto a disbiose é o desequilíbrio. Patobiontes (potencialmente nocivos) e patógenos (definitivamente nocivos) precisam estar em equilíbrio com comensais e simbiontes (não causadores de doenças) para promover funções positivas, como treinar o sistema imunológico.


Em um organismo saudável, pode não haver a necessidade de eliminar microorganismos, mas sim de fomentar a comunidade benéfica, mantendo o ambiente intestinal equilibrado para que os microorganismos negativos sejam autorregulados e não causem danos. A presença de microorganismos, mesmo patógenos como Helicobacter pylori, Entamoeba histolytica ou Giardia lamblia, não garante o aparecimento de sintomas e adoecimento. A doença ocorre quando há fragilidade do sistema imunológico e disbiose. Esses patógenos podem coexistir com o hospedeiro de forma inofensiva, permitindo uma relação simbiótica ou comensal, especialmente quando em pequenas quantidades e controlados pelo sistema imunológico. Mas o oposto disso, a parasitose, é uma condição na qual um organismo é infectado por parasitas, que conseguem se multiplicar e ultrapassar as barreiras imunológicas, causando potenciais danos à saúde.


Quando a desparasitização é realmente necessária?


A desparasitação pode ser necessária, mas deve ser realizada com base em diagnósticos clínicos e laboratoriais que confirmem a infecção por parasitas. Geralmente, é tratada com medicamentos prescritos por médicos. No entanto, há uma tendência crescente, propagada nas mídias sociais, de utilizar tratamentos naturais com fitoterápicos e tinturas de ervas.


Os principais sintomas que podem indicar a presença de parasitas no sistema digestivo, sugerindo a necessidade de realização de exames, incluem: dor abdominal, distúrbios digestivos como alterações do apetite, diarreia crônica, constipação, gases e inchaço, náusea e vômito, perda de peso inexplicada, fadiga e fraqueza, sensação constante de cansaço e falta de energia, e prurido anal (especialmente à noite), presença de vermes nas fezes, anemia.


Para práticas de desparasitização natural, recomenda-se que essas sejam realizadas com acompanhamento médico, preferencialmente por profissionais capacitados em fitoterapia ou medicina integrativa que possam diagnosticar e orientar de forma segura e eficaz, levando em conta as particularidades de cada caso e garantindo que o uso dos fitoterápicos não cause efeitos indesejados ou interfira negativamente com outros tratamentos em andamento.


Vale ressaltar que muitos sintomas são comuns a outras condições, como a disbiose, a síndrome do intestino irritável (SII) ou SIBO (supercrescimento bacteriano do intestino delgado), e podem ser atenuados pelo uso de fitoterápicos. Portanto, sem um diagnóstico adequado, o paciente pode experimentar uma melhora dos sintomas sem nunca saber se estava infectado ou não, e os créditos do tratamento podem ser atribuídos a uma abordagem que mirou um alvo e acertou outro.


Também é possível estar contaminado com vermes e parasitas e ser assintomático, dependendo da espécie, da localização da infecção e do estado imunológico do hospedeiro. Infecções leves ou no início podem não apresentar sintomas, pois o sistema imunológico controla a infecção a níveis imperceptíveis. No entanto, é preciso considerar que, mesmo sem sintomas, parasitas podem causar danos a longo prazo e ser transmitidos a outras pessoas.


Quais exames são recomendados para detectar a presença de parasitas intestinais?


Para detectar a presença de parasitas intestinais, é recomendável realizar um Exame Parasitológico de Fezes (EPF) seriado. Esse exame, que coleta três amostras de fezes em dias diferentes, aumenta a sensibilidade na detecção de parasitas , helmintos e protozoários, já que alguns deles podem ser eliminados de forma intermitente. Outra opção é o exame coprológico fecal, que é mais caro e menos acessível para a maioria da população. Dependendo dos resultados e sintomas, o profissional pode solicitar exames complementares para uma avaliação mais abrangente.


Mas afinal, será que é realmente necessário realizar uma "limpeza" anual ou mais frequente de parasitas?


É fundamental considerar a literatura científica, a segurança e eficácia dos fitoterápicos. Até o momento, não temos estudos robustos em humanos mostrando a eficácia na erradicação de parasitoses (que causam doenças), mas há muitos estudos em modelos animais ou in vitro que mostram bom potencial.


Quais são os riscos da desparasitização em pessoas não infectadas?


A desparasitação em pessoas não infectadas pode não trazer benefícios significativos e pode causar efeitos adversos, como distúrbios gastrointestinais, reações alérgicas e hepatotoxicidade em pessoas mais sensíveis, especialmente quando fitoterápicos são utilizados em altas doses.


A presença controlada e assintomática de parasitas no intestino (um comensalismo crônico não patogênico) tem efeito protetor da mucosa (por maior secreção de IgA) e imunomodulador ajudando a treinar a resposta inflamatória intestinal frente à presença de PAMPs, moléculas associadas a patógenos que desencadeiam uma resposta do sistema imunológico inato. Essa exposição regular fortalece a capacidade do sistema imunológico de identificar e combater infecções favorecendo a imunotolerância, o que auxilia na prevenção de doenças crônicas como asma, rinite alérgica, psoríase e outras doenças autoimunes.


Em ambientes naturais, a exposição a parasitas e outros microorganismos ajuda a manter o equilíbrio imunológico, prevenindo reações exageradas a antígenos inócuos, como aqueles presentes em alergias e doenças autoimunes. A desparasitação extrema, sem necessidade real, pode interromper esse equilíbrio. Sem a exposição regular a esses microorganismos, o sistema imunológico pode se tornar hiperativo, aumentando o risco de alergias, doenças autoimunes e outras condições inflamatórias.


A falta de exposição a vermes e parasitas na infância pode estar associada ao aumento de doenças autoimunes e alérgicas em populações urbanas, onde a higiene extrema é mais comum.


Na minha prática clínica, fico atenta aos sintomas e encaminho os pacientes para médicos capacitados realizarem o diagnóstico. Não tenho experiência de sucesso com desparasitização natural por meio de fitoterápicos e alimentos com eficácia comprovada por meio de exames. Os médicos parceiros com quem atuo não recomendam nem endossam essas práticas profilaticamente ou como tratamento para erradicação de infecções comprovadas. Contudo, já atendi muitos pacientes que, após tratamento convencional com medicamentos, seguiram uma dieta de manutenção e prevenção de recidivas, especialmente fortalecendo a capacidade digestiva com ervas, especiarias e fitoterápicos, tanto na forma de temperos, chás e cápsulas, além de alimentos ricos em fibras prebióticas e com ação antiparasitária, bactericida e fungicida.


Quais alimentos são essenciais para fortalecer a digestão e prevenir infestações por microorganismos?


Alguns alimentos essenciais para fortalecer a digestão e prevenir infestações por microorganismos incluem:

-      Sementes de abóbora (Cucurbita pepo): Contêm cucurbitacinas, que têm efeito antiparasitário. São usadas para evitar infecções por vermes, especialmente a tênia.

-      Mamão (Carica papaya): O mamão e suas sementes contêm enzimas proteolíticas como a papaína, que podem ajudar a destruir parasitas e seus ovos.

-      Romã (Punica granatum): A casca e o suco de romã contêm taninos e punicalaginas, que têm demonstrado atividade contra parasitas intestinais.

-      Gengibre (Zingiber officinale): é conhecido por suas propriedades antiinflamatórias e antimicrobianas. Pode ajudar a expulsar parasitas do intestino e aliviar os sintomas digestivos associados a infecções parasitárias.

-      Cúrcuma (Curcuma longa): A cúrcuma possui curcumina, que tem efeito antiparasitário, além de propriedades antiinflamatórias e antioxidantes que ajudam a restaurar a saúde intestinal.

-      Alho (Allium sativum): Possui propriedades antiparasitárias, antimicrobianas e antifúngicas.

-      Cravo-da-índia (Syzygium aromaticum): O óleo essencial de cravo, rico em eugenol, possui propriedades antiparasitárias e antimicrobianas.

-      Óleo de Coco: Contém ácidos graxos de cadeia média, como o ácido láurico, que têm propriedades antiparasitárias e antimicrobianas.

-      Óleo de orégano (Origanum vulgare): Rico em carvacrol e timol, possui fortes propriedades antimicrobianas, antiparasitárias e fungicidas.


Outras ervas de uso culinário podem ajudar a fortalecer a digestão e prevenir a infestação por microorganismos. Entre elas estão: ajwain, canela, coentro (sementes e folhas), cominho, orégano e assafétida.


Esses alimentos podem ser incorporados em uma dieta equilibrada para ajudar na prevenção e tratamento de infecções parasitárias, mas é importante lembrar que, em casos de infecção parasitária, o acompanhamento médico é essencial para um tratamento adequado.


Outros fitoterápicos tradicionais para a desparasitação:


A planta Vidanga (Embelia ribes), conhecida pelo seu fruto, é tradicionalmente usada na medicina Ayurveda para a desparasitação. Ela contém embelina, um composto bioativo que tem demonstrado propriedades antiparasitárias, tornando-a eficaz no combate a uma variedade de parasitas intestinais. Além disso, tem ação antiinflamatória.

 

No Brasil, a fitoterapia tradicional também utiliza Artemísia (Artemisia annua); Noz de nogueira-preta (Juglans nigra); Genciana (Gentiana lutea); Pau d'Arco (Tabebuia avellanedae).


É importante lembrar que o uso de fitoterápicos deve ser realizado com cautela e sob orientação de um profissional de saúde. A dosagem e a duração do tratamento são cruciais para a eficácia e segurança. Além disso, a desparasitação deve ser acompanhada por uma dieta adequada e  exames laboratoriais para monitorar a eliminação dos parasitas.


Se tiver dúvidas ou depoimentos para enriquecer a conversa, deixe um comentário no blog. Também pode ser útil compartilhar com alguém para quem esse tema seja relevante 🙏🏻.


Marise Berg Nutricionista CRN 3 41382


REFERÊNCIAS


"Anthelmintic Activity of Cucurbita pepo" - Journal of Ethnopharmacology.

"The Benefits of Garlic in Intestinal Health" - Journal of Nutrition.

Akhtar, M.S., Iqbal, Z., Khan, M.N., Lateef, M. (2000). "Anthelmintic activity of medicinal plants with particular reference to their use in animals in the Indo-Pakistan subcontinent". Small Ruminant Research.

Brinker, F. (2010). "Herbal Contraindications and Drug Interactions: Plus Herbal Adjuncts with Medicines". Eclectic Medical Publications.

Centers for Disease Control and Prevention (CDC). "Parasites – Soil-transmitted Helminths (STHs)".

Elliott, D.E., Weinstock, J.V. "Helminth-host immunological interactions: prevention and control of immune-mediated diseases". Annals of the New York Academy of Sciences 2012

Hotez, P.J. et al. "Helminth Infections: Soil-transmitted Helminth Infections and Schistosomiasis." The Lancet

Kirtikar, K.R., Basu, B.D. (1996). "Indian Medicinal Plants". Bishen Singh Mahendra Pal Singh.

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Mills, S. & Bone, K. (2000). "Principles and Practice of Phytotherapy: Modern Herbal Medicine". Churchill Livingstone.

Nadkarni, K.M. (1976). "Indian Materia Medica". Popular Prakashan.

Research articles from journals such as the Journal of Ethnopharmacology and Phytotherapy Research support the antiparasitic efficacy of Embelia ribes.

Ross, S.M. (2010). "Integrative Medicine. Mosby". Elsevier.

Strachan, D.P. "Hay fever, hygiene, and household size". BMJ 1989

World Health Organization. "Soil-transmitted helminth infections."

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